Professores são para sempre

O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
Rise up—for you the flag is flung—for you the bugle trills,
For you bouquets and ribbon’d wreaths—for you the shores a-crowding,
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;
                         Here Captain! dear father!
                            The arm beneath your head!
                               It is some dream that on the deck,
                                 You’ve fallen cold and dead.

— O Captain! My Captain! (Walt Whitman)

 

Dia 15 de outubro, Dia do Professor. Hora de prestar um humilde tributo aos melhores professores do mundo. Os meus!

Antes de mais nada, quero iniciar com um muitíssimo obrigado a minhas primeiras duas professoras:

Tia Penha. Minha professora no parquinho (nem sei qual o nome que se usa hoje. Já foi jardim da infância, jardim I, jardim II, pré-primário, prezinho. Nenhum nome pegou pelo simples motivo de terem sido inventados por adultos. Minha sugestão é deixar o nome com as crianças; coisas boas virão). É prima de minha mãe mas, nem por isso, aliviou para mim. Lembro-me de várias broncas. Ausentou-se para dar à luz uma filha no meio do ano. Voltou a tempo do meu aniversário. Era costume ela deixar o aniversariante escolher o brinquedo. Eu finalmente pude brincar com um joguinho que era uma mistura de números e dados. Ainda nesse dia, Penha passou para as crianças um filminho infantil, uma historinha sobre umas cabras. Vai aparecendo uma cabra maior e mais forte que a outra, mas elas são todas derrotadas.   Era o meu filminho predileto, mas ela não sabia disso. Não existem coincidências.

Dona Marina. Minha professora da 1ª série A. Ah, sim: eu me chamo Alexandre e nasci em agosto. Gosto de design e de detalhes. A série só poderia ser A! Marina fora também professora da minha irmã mais velha, também na 1ª série. Havia muitas boas professoras na escola, mas nenhuma igual a Marina. Ela ia e voltava da escola a pé, costume da época, sempre com um vestido estampado – florido, na maioria das vezes.  Sua aparência calma e serena, uma mistura de tia mais velha com avó, muitas vezes não combinava com os gritos e as broncas. Era uma pessoa meiga que sabia ser firme, sabia ser brava, sabia se impor. Fora da classe, uma flor.

Não seria exagero dizer que ter aula com dona Marina ajudou a moldar o meu caráter. Claro que ela só é culpada pelas partes boas. Mas, acredite em mim, Marina é inesquecível e não apenas para mim. Em novembro passado, o motorista que me levaria a Cumbica começou a conversa dizendo onde havia morado quando criança. Papo vai, papo vem, disse que ainda se lembrava com carinho de sua primeira professora e que, uns anos antes, a visitara. Era a dona Marina! “Está igualzinha”, ele me garantiu.

Eu a vi há alguns anos, de longe, numa rua próxima à escola. Acenei. Ela não retornou, não deve ter me reconhecido.

Como diria o também mestre e professor Roberto Telles de Souza: “Tão gigantesca é sua missão, que um professor jamais saberá das transformações que provoca no Universo”. Será que dona Marina sabe? Acredito que ela tenha uma ideia de sua importância, mas talvez não saiba o quão importante foi e para quanta gente. Combinei com minha irmã, que mora na Alemanha, que precisamos fazer uma visita à dona Marina.

Adaptando uma outra citação, muito obrigado é a primeira coisa que me vem à cabeça quando me lembro de meus professores.

É claro que há a tendência de se achar que tudo era melhor antes, que a realidade era mais dura porém mais poética. Eu sei que a criançada de hoje é terrível e que alguns professores são quase santos. Que muitos professores atuais são os melhores de todos os tempos. Que hoje é um herói quem se torna professor para realizar um sonho de infância ou quem entra na profissão de professor por vocação.

Mas eu jamais me perdoaria se continuasse a lista de professores memoráveis e deixasse de fora a super dona Alayde, diretora do Silvino, escola pública na qual estudei o Ensino Fundamental inteiro. Alayde era completamente apaixonada por sua escola, e seu entusiasmo acabava contagiando a todos. Considerando os padrões de então, o Silvino tinha vários luxos (ou, se preferir, caprichos): campo de futebol, duas quadras – uma delas iluminada! -, salas-ambiente, festas temáticas, festivais. Classes especiais eram formadas com os alunos de melhores notas. Havia conversas entre a direção da escola e pais de aluno sobre a importância de manter os filhos nessas classes. Tudo feito com pouco dinheiro e muita simplicidade. Havia muitos alunos de baixa renda na escola. Nunca, ao menos nessa época, houve reclamação de preconceito, segregação ou favorecimento. Alayde passava pelas classes com frequência. Dava explicações, contava seus planos e, muitas vezes, abria o jogo com os alunos. Mas sempre deixava bem claro que a nossa era “a melhor escola… d-o  m-u-n-d-o!” Para quem estudou lá na época, realmente foi!

Tenho muito orgulho de ter feito parte dessa história. Posso dizer que nossa turma, de certa forma, deu certo: dela saíram vários professores, jornalistas, um ator, alguns administradores. O principal foi ter formado boas pessoas, bons cidadãos.  E, felizmente, apenas um político.

Dizem várias coisas sobre professores. Há várias frases, algumas geniais. Eu gosto de uma que diz, com outras palavras, que professor é aquele que inspira. No cinema, poucos inspiraram tanto quanto o professor Keating no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”. Segue a cena final (se estiver com pouca paciência, pule direto para 2min28s):

Ainda da época do Silvino, destacaria Mauro, de matemática. Seu Mauro tinha um sistema de avaliação de aluno cheio de critérios; um deles era participação – o aluno tinha que levantar o braço durante a aula e falar, principalmente corrigindo outros alunos. Maldade pura. A FOA (Ficha de Observação do Aluno) tinha ainda assiduidade, tarefa, exercícios na lousa e, claro, a nota da prova. Mas participação era a mais importante; poucos alunos tiravam a nota máxima nesse quesito. Mauro tinha ainda outras particularidades: em sua sala-ambiente, os alunos o esperavam em pé e só podiam se sentar após seu “bom-dia” (ou “boa-tarde”, se fosse o caso). A chamada era feita pelos próprios alunos. Mauro apenas a iniciava dizendo “número 1”. O número 1 dizia seu número e nome, e assim seguia-se. “Um, Adriano; dois, Alexandre; três André” e assim por diante. Anos mais tarde, mudou de escola e foi para o colégio técnico. Lecionava até há poucos anos. Um de seus dois filhos também é professor. Mauro era sério, muito rígido e, de certa forma, amedrontava os alunos. A maior glória de nossa turma foi ter feito a brincadeira das frutas numa de suas aulas. Eu adorava as aulas dele e não era o único da sala.

João Batista era uma estrela. Professor de Educação Física que entendia a cabeça dos meninos. Na época, as aulas de Ed. Física eram separadas: meninos com o professor, meninas com a professora. João explicava as coisas de forma simples, todos entendiam. E não se limitava à matéria. Falava de poesia, falava das coisas da vida. Ensinou muita gente a reivindicar direitos, elevou a auto-estima de vários garotos, nos ensinou a ter auto-confiança. Deu ótimos conselhos. João demonstrava seu amor pelos alunos e era amado de volta.

Daniel era sério, certinho, educadíssimo, meio quieto. Mas mudou a minha vida. É por causa deste professor de Educação Física que eu jogo xadrez e gosto tanto de esporte. Daniel formou vários entusiastas, mudou a vida de várias pessoas. Tive a honra de trabalhar com ele alguns anos mais tarde. Sempre foi e continua sendo referência. Tem a humildade dos grandes. A curiosidade dos gigantes. A sabedoria dos maiores. Eu nunca conseguirei agradecê-lo adequadamente, mas fica aqui uma tentativa: obrigado, mestre!

“Liberdade sim, libertinagem não”. Com esse lema, dona Meyre tentava conter a bagunça da 6ª série. Nem sempre conseguia, mas tenho certeza de que veio dela a semente do gosto pela leitura e pela redação de tanta gente da classe. Eu não serei fiel à história se não contar que ela me adorava. Não sei se foi a primeira professora a perceber minha criatividade, mas foi a primeira a dizer isso com todas as letras. Eu também a adorava e não ter tirado a nota máxima no trabalho final – escrever um livro – foi uma frustração que anos depois virou agradecimento. E o meu livro era de fato uma porcaria!

Se os meus 4 leitores fizerem o exercício de memória de listar os professores prediletos ou mais marcantes, vão perceber que boa parte virá dos primeiros anos de escola. E talvez o mais marcante virá dos anos finais da faculdade ou do técnico.

Tive ótimos professores na nem tão ótima faculdade, e seria injustiça ter que escolher apenas um.

José Carlos era a personificação da frase atual que propaga que algo “tem tudo para dar errado”. Foi perseguido por alunos, enfrentou a situação sem perder o bom-humor. Self made man de fato, orgulhava-se disso. Provocava a classe, provocando risos ou indignação. A nossa classe não era fácil; primeira turma noturna do curso, pouca gente vinda do técnico, conhecimento geral e não específico. À época, José Carlos não fez muito sucesso. Semestres depois, quando era amigo e não professor, era dos mais queridos. Nós reparamos a tempo a falha de julgar pelas primeiras aparências. José Carlos era humilde demais para se achar. Mas ele era o máximo.

Renato era o gordinho simpático. Nós o chamávamos assim. Ele, claro, nunca soube. Ao menos assim eu espero! Eu não consigo me lembrar de uma única aula chata deste professor! Sempre um causo, uma experiência. Chegava à sala impecavelmente vestido. E sempre com um copo de refrigerante, que ele ia sorvendo aos poucos ao longo da aula. Mecânica para madames, rodízio de sorvetes, alicates-amperímetros. Compartilhava uma variedade de oportunidades de negócios inigualável. O trabalho final de sua matéria era apresentar o plano básico de algum negócio mais, digamos, criativo. Todos os grupos sabiam como seria: apresentado o negócio/produto, Renato contaria dúzias de casos a respeito, a maioria envolvendo o próprio. Nosso grupo também esperava isso, mas apresentamos o nosso bar temático mesmo assim. “O meu sonho é montar um bar igual a esse que vocês apresentaram”. Tem como esquecer? 🙂

Luiz Roberto era educadíssimo, mas usava um bigodão que lhe conferia um certo ar cômico. De forma leve porém séria, nunca arrogante, ensinou vários conceitos sobre projetos, principalmente o conceito de entregar o que e quando foi prometido. “Não adianta dar desculpas; problemas, todos têm. Vocês veem o padeiro fechando a loja porque o time dele perdeu?” São-paulino, Luiz costumava usar analogias futebolísticas, mas da forma mais elegante possível. Falava com um entusiasmo sincero da então supremacia palmeirense da época. “Eficiência, planejamento, organização!” Luiz Roberto pecava apenas na apresentação das aulas. Talvez alguns alunos tenham deixado de prestar mais atenção ao excelente conteúdo devido ao tom monocórdico de sua voz.

Um problema que Balan não tinha. Boa praça e capaz de desenvolver um diálogo sobre qualquer assunto, Balan chegava mais cedo e já engatava uma conversa, normalmente baseada em histórias que, de formas às vezes improváveis, se interlaçavam. Foi um professor fantástico no sentido de provocar a reação e o pensamento nos alunos sem se preocupar com o resultado. Queria que os alunos se expressassem e conseguiu. Era quase impossível não prestar atenção em suas aulas. Balan era um show e sabia disso.

Betão também era um show e provavelmente não houve professor mais querido no curso. Simpático ao extremo, simples. Capaz de contextualizar poemas em aulas sobre sistemas de informação. Sabia da empatia com os alunos, mas não se aproveitava disso. Jogava limpo. E contava histórias. Contou da época em que tocava clarinete numa banda de baile. Fã de rock, de festas e de boa cozinha. Tem a humildade dos sábios e a simplicidade de quem sabe que o que vale é aquilo que temos dentro do coração. Claro que foi o mais votado para participar de nossa formatura.

Eu provavelmente nem estaria aqui digitando em um blog, nem mesmo teria trabalhado com web, se não fosse pelo professor Sérgio. Na época muito mais interessado em impressos, o jovem Sig procurava por um orientador para a monografia. O primeiro professor havia declinado o convite. Um amigo seria orientado por Sérgio e me deu a dica. Fui falar com ele.  “Por que você não escreve sobre a internet?” Era um assunto novo (pois é, faz tempo!) e parecia interessante. Aceitei e foi muito legal fazer o trabalho com ele. Bem-humorado, inteligente, educado, o orientador que sabe guiar. No semestre seguinte, o último, foi meu professor em uma das matérias. Confesso que já usei algumas de suas piadas. Encontrei-o anos depois, num clube de campo em Piracicaba. Conversamos um pouco, mas me esqueci de dizer que graças a ele eu tinha um ofício. Fica para a próxima. Ou talvez ele já saiba.

Como eu escrevi ali em cima, vários dos professores atuais também são notáveis. Nada melhor do que finalizar a lista com dois deles.

Master Dan é meu professor de xadrez. Sim, eu tenho aulas de xadrez. Pela internet. Dan e eu conversamos em inglês, por pelo menos duas horas, toda semana. Ele é romeno, médico e desistiu da carreira de jogador (é mestre internacional) para se dedicar às aulas. Preparou-se para ser professor! Posso dizer que ele está no top 3 das pessoas mais otimistas do planeta. Seu raciocínio é de uma rapidez sem igual. Bem-humorado ao extremo, usa sua inteligência e sua cultura para fascinar o aluno, nunca para constranger. Sua aula é uma benção, nunca um fardo.

Davi Spilleir é quase uma lenda. É professor de inglês desde os 16 anos (!!) e agora também fala perfeitamente o alemão. Sonha em ser diplomata ou ter sucesso em alguma carreira que envolva países, culturas, idiomas. Eu acredito muito nesse rapaz. Ele não é meu professor. Ainda!

 

 

2 comments

  1. Cara, muito da hora esse texto, parabens mesmo, tive tambem professores otimos, esse professor João batista, professor de educação fisica acho que foi professor meu tambem…..

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