Rock’N”Wry: sobre o show do Wry no Bar do Zé em 15 de agosto de 2009 ou como presentear é uma arte!

Cena 1: Consultório Médico

Paciente: “Doutor, ando muito desanimado, para baixo, não tenho vontade de nada. Não sei o que fazer”.
Médico: “Meu filho, tenta ver uns shows do Wry de vez em quando, tenta…”

Este é um texto de reencontro, portanto está cheio de lembranças, divagações, comparações com o passado e vou iniciá-lo lembrando que, há muito tempo atrás, eu ouvi Wry pela primeira vez porque Mario Bross, o vocalista, me enviou “Morangoland”, a primeiro demo da banda, pelo correio. Era aniversário dele, segundo contou na carta, e ele foi gentil ao ponto enviar o presente a outra pessoa; no caso, eu.

Abre parêntese: um dos problemas de textos sobre a época dos 1990s é o risco de ficar chato e/ou repetitivo ao explicar que email não era então uma realidade (existia, mas não existia… compreende?), não tinha Orkut, mp3, torrents, rapidshare nem msn. Baixar um CD era, no máximo, tirá-lo da prateleira e colocar no caixa ou numa sacolinha para levar para casa e ouvir. Os contatos eram feitos por cartas, no máximo por telefone,  com fitas cassetes (as famigeradas demos) e zines. Felizmente, as pessoas iam a shows, o que aumentava o número de contatos e de amigos. O YouTube da época eram os festivais –como o Juntatribo, realizado nos anos de 1993 e 1994 em Campinas–, e barzinhos como o Hitchcock, de Santa Bárbara d’Oeste, eram o nosso MySpace. Termo, aiás, apropriadíssimo para o que foi o Hitchcock aos barbarenses e americanenses, o Blue Galeria para quem era de Piracicaba, o Arkham para os sorocabanos etc. Fecha parêntese.

Ouvi “Morangoland” sem parar durante algum tempo e acabei virando fã da banda. Vi dezenas de shows, sendo que o último foi o último show da turnê que a banda fez no Brasil em 2005/2006. Fui vê-los na Sorocaba natal deles e voltei feliz da vida.

Só mesmo essa sensação –de ficar feliz da vida– é que pode explicar como um sujeito que já não é garoto há algum (muito?) tempo pega a pista sozinho e viaja para ver um show. Tenho certeza de que todo mundo que já fez isso me entende! Ok, foram apenas 25 minutos, rapidinho. O show foi marcado para sábado, 15 de agosto, meu aniversário. Em 2004, também no meu aniversário, estava programado um show do Butchers’ Orchestra aqui mesmo em Americana, mas acabou não rolando; Adriano, hoje estrela no Cansei de Ser Sexy, teve um acidente doméstico que inviabilizou o meu presente, digo, o show. O Wry era a minha chance de mudar essa sina. Por isso desloquei-me até Barão Geraldo para mais uma vez ver essa banda que ousou passar oito anos em Londres.

Barão Geraldo, que existe basicamente por causa da Unicamp –e espero com isso não ofender nenhum cidadão barão-geraldino–, fica grudado em Campinas e já teve uma outra casa de shows, o Mondo 77 (que inclusive teve outros nomes, sofreu um incêndio… histórias do underground). O lugar da noite é o Bar do Zé, já relativamente famoso pelos shows que hospeda, mas que eu nunca havia me dado a chance de visitar.

Chego cedo, a avenida é fácil de achar, a fachada me agrada. Como não estou bebendo, pego uma cerveja, garrafa, e faço um reconhecimento visual do interior do bar. Mesinhas, cadeiras, lustres decorados em forma de pop-art com ícones roqueiros. Avisto o people do Wry e me aproximo. É o início de uma noite de nostalgia e de colocar a conversa em dia. Muitos assuntos, muitos amigos: além de Mario, Lu Marcello e Renatão, revejo William (o novo baixista, que não se lembou de mim. Chockito ainda tem pendências em Londres, mas deve voltar ao Brasil em breve), o novo roadie, Highman, Punk, Brown (que me presenteou com o Cd do Biggs. Aguarde meus comentários aqui mesmo, brother!), Ronex, além do local e onipresente Tatu.

De My Bloody Valentine a comidas típicas europeias, de shows em fazendas a personagens dos anos 1990, converso detalhadamente com Lu sobre músicas em português, alugando-o com aquelas teses de que é mais “fácil” compor em inglês e que certas músicas perdem totalmente a magia quando traduzidas. O Wry agora canta também em português, e eu fui ao show com a sensação de que até a entonação do vocal muda quando a música é no idioma de Verissimo (o Luís Fernando… hehe).

Vamos à primeira apresentação da noite
O primeiro e único show do Suite Number Five que eu vi foi em 2002, em Limeira, também abrindo para o Wry. Já naquela vez, a banda de Campinas tocou “Degenerate”, do Jesus & Mary Chain, que abre a apresentação desta noite. Se a minha memória ainda for 10% do que já foi, ouso dizer que em 2002 eles já arriscavam uma tradução do refrão para o português sem nenhum dano –nem à versão, nem à música original.

Nas quatro músicas seguintes, fiquei com a impressão de que a principal referência seria o Black Rebel Motorcycle Club. Você e eu sabemos como é: quem lê sobre uma banda quer saber com o que parece, bandas ou (sub-)estilo. Como o BRMC é uma das minhas prediletas –e também bebem na fonte do J&MC–,  espero que os rapazes de Campinas tomem como elogiosa a minha comparação com o trio ianque. Com o grande mérito de que os campineiros conseguem vez ou outra acelerar o ritmo, enquanto os parceiros americanos normalmente fazem o oposto, desacelerando.

As músicas seguintes revelam outras boas fontes: Flaming Lips e até mesmo The National (na cadência da bateria). Não é um show efervescente, porrada. É um show contemplativo, os quatro integrantes são contidos e discretos. O vocalista pode e deveria abusar de sua elegância à la Brandon Flowers. Existem, claro, alguns momentos mais, digamos, hormonais: o final do show teve um refrão em português –”Pobre garota do Corcel vermelho/ quebrou o retrovisor para usar de espelho”, tremulando entre o bem sacado e a comprovação de que compor em português às vezes é limitante– emendado com “I wanna be your dog”. Na hora, fiquei na dúvida se isso seria óbvio ou oportuno, e fiquei com a segunda alternativa.

O Suite Number Five abriu e fechou um show curto (exatos 32 minutos) com covers, igual fez o Flaming Lips quando tocou por aqui. É uma bela de uma banda: toca bem, tem boas músicas e o show é bacana. Por que não é hypada? Oras, por isso mesmo!  My lover touch my darkened soul.

Rock’n”Wry
O Suite Number Five saiu do palco e do PA vieram os primeiros acordes de “Birds”, música que abre o excelente disco “Electriclarryland” dos Butthole Surfers. Reparo na arrumação que o pessoal do Wry faz no palco; um aparato considerável está ali. Infelizmente, apenas a foto dos amplificadores ficou boa. Mario e Lu têm, cada um, mais de dez pedais. Há duas guitarras para Lu, uma guitarra e um violão para Mario. Um notebook ligado fica ao lado da bateria de Renatão. Para os shows, eles viajam com um baú de equipamentos engatado atrás do carro.

É hora de começar, a banda está no palco. Eu e High temos um diálogo recorrente nos últimos shows do Wry:
– Você já viu o show novo, Sig?
– Ainda não.
– Cara, você vai gostar!

Já de início, fiquei impressionado com o muro sônico que tomou conta do Bar do Zé. Sabe aquela sensação de ficar impressionado já nos primeiros acordes? O Wry, ao menos desde que tenho notícia, sempre foi uma banda preocupada com a apresentação –o que acaba incluindo não apenas o som. Dentro do baú de equipamentos, os sorocabanos trouxeram para Campinas, além dos instrumentos e da parafernália afim (pedais, amplificadores, equalizadores), também um projetor de imagens e uma máquina de fumaça –talvez para emular o fog londrino e colocar os espectadores brasileiros num ambiente próximo àquele que a banda esteve habituada no Reino Unido?

Embora em seus shows o Wry quase sempre apresente um som primoroso, rivalizando nessa excelência apenas com o Thee Butchers’ Orchestra e mais alguns poucos, o fato é que esta noite a tecnologia resolveu traí-los. Depois do show, Lu me contaria que estava tudo devidamente equalizado, mas o sistema, automatizado, se desconfigurou logo depois da primeira música. Tremendo azar.

Mario Bross mostrou ter bom jogo de cintura, conversando com a galere, sobre a internet e sobre o site oficial da banda,  durante a pane hi-tech. Vendo que uma reconfiguração total não seria possível com o show em curso, arriscou seguir adiante. Com a torcida já a favor, foi a decisão certa.

As primeiras músicas me fizeram pensar que o Wry de 2009 era mais introspectivo e contemplativo que sua versão mais jovem; lentas transições sônicas, wall of sound, riffs lentos, pedais no talo. Tudo isso entrecortado pelo ritmo do baixo e da bateria. O novo Wry não perdeu a energia, apenas concentrou-a e canalizou-a para o controle.

Foi aí que veio “Disorder”, disparada a minha predileta entre as novas, e desmontou totalmente a minha impressão anterior. Caos. Barulho ensurdecedor. Aquele ruído extremo com doçura. O Sonic Youth encontra o My Bloody Valentine no Asilo Arkham, e o resultado é o Wry da primeira demo totalmente ambientado em 2009, buscando a excelência.

Não há espaço para músicas antigas. O repertório do show novo é de “Flames In The Head” em diante. As músicas em português encaixam bem. Fiz questão de ver o show em diversos pontos do bar. Em um ou outro momento, tive a impressão de pressentir a entrada de uma locução à la Leonard Cohen. Não veio, mas acho que teria ficado interessante. Com um aparato vasto para os padrões brasileiros, os wryers trocam de instrumentos, usam arco de violino e violão elétrico; usam até  o notebook!

Com o show se encaminhando para o final, o vocal começa a ficar muito baixo. Agruras da tecnologia. Engraçado que esta pane tenha acontecido a pouquíssimos quilômetros da Unicamp, outrora uma das maiores concentrações mundiais de geeks. Àquela altura, a impressão era que aos presentes bastava o muro sônico, bastava a projeção de imagens, bastava o fog; já era mais do que estamos acostumados, o vocal baixo parecia apenas um efeito. Mais um, nesse denso som do Wry versão 2009.

Quem disse que não havia espaço para músicas das antigas? Ao anunciar o fechamento do show, Mario avisa: “essa é a última música, mas vai durar uma hora”. O frenesi total que se seguiu culminou numa versão lisérgica e estendida de “Under the Sky”, música da primeira demo, “Morangoland”, aquela mesma lá de cima. Lu e Mario, abaixados, produzindo microfonia no talo; William concentrado no baixo, Renatão tocando flauta. Após 1h20min, o fim. Showzaço.

Chill-Out, resumo, cotação. Aquilo que se espera ler ao final de um review
Em 2005, naqueles dias em que todo mundo estava em Curitiba, usei uma frase que gostei bastante: “as outras bandas tocaram ao vivo, o Mercury Rev fez um show”. Muito em breve isso será também uma realidade com o Wry em relação às demais bandas nacionais. E os caras gostam de fazer shows. Se passarem em sua cidade ou numa próxima, vá vê-los. Eu sempre faço isso.

PS1: Após todos esses anos, é curioso que mais uma vez o Wry me presenteia, desta vez no meu aniversário. Aproveitei a data querida e acabei adquirindo outro presente, uma camiseta da banda. Como não me serviu, ficou pequena, vou dá-la à minha sobrinha. Ela adora música e, tenho certeza, vai gostar muito de Wry quando ouvir. É preciso presentear também, não é mesmo?

PS2: publicado originalmente no dia 16 de agosto de 2009, após uma noite mágica e um aniversário maravilhoso. Impossível passar para as palavras tantos sentimentos. Mas você pode chegar bem próximo deles se for ver o Wry tocar ao vivo.

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